quarta-feira, 5 de junho de 2013

Trechos de Religião para ateus, de Alain de Botton



Trechos atribuídos a Alain de Botton, do livro Religião para ateus (extraído de http://antesqueeudesista.blogspot.com.br/2012/02/religiao-para-ateus-de-alain-de-botton.html):


Ao relegar a esperança a uma esfera distante, a Igreja pôde adotar uma atitude particularmente perspicaz e não sentimental acerca da realidade terrena. Ela não supõe que a política poderia algum dia criar a justiça perfeita, que qualquer casamento poderia ser livre de conflitos ou discórdia, que o dinheiro poderia trazer segurança, que um amigo poderia ser leal para sempre ou, de maneira mais geral, que a Nova Jerusalém poderia ser construída em solo comum. Desde sua fundação, a religião tem mantido uma visão sóbria, de uma espécie que o mundo secular é covarde e sentimental demais para abraçar, a respeito das nossas chances de melhorar no que diz respeito aos fatos brutais das nossas naturezas corruptas.
Os seculares, neste momento da história, estão mais otimistas que os religiosos – certa ironia, dada a frequência com que os últimos têm sido ridicularizados pelos primeiros por sua aparente ingenuidade e credulidade. O desejo dos seculares por perfeição tem crescido tão intensamente a ponto de levá-los a imaginar que o paraíso pode ser realizado na terra após mais alguns anos de crescimento econômico e de pesquisas médicas. Sem nenhuma consciência evidente das contradições, eles conseguem ao mesmo tempo descartar de maneira brusca uma crença em anjos e confiar com sinceridade que os poderes combinados do Fundo Monetário Internacional, do establishment da pesquisa médica, do Vale do Silício e da política democrática podem curar os males da humanidade. 

A religião é, acima de tudo, um símbolo daquilo que nos ultrapassa e uma educação sobre as vantagens de reconhecer nossa insignificância. Tem simpatia natural com todos aqueles aspectos da existência que nos descentram: geleiras, oceanos, formas de vida microscópicas, recém-nascidos ou a ressonante linguagem do Paraíso perdido, de John Milton (“Arfando em tempestuosos torvelinos...”). Ser colocado no nosso devido lugar por algo maior e mais velho que nós não é uma humilhação; deveria ser aceito como um alívio em relação às esperanças insanamente ambiciosas que nutrimos para nossa vida.
A religião é mais astuta que a filosofia ao compreender que não basta apenas delinear tais ideias em livros. É claro que o ideal é que consigamos – tanto fiéis como infiéis – ver coisas sub specie aeternitatis o tempo inteiro, mas é quase certo que perderemos o hábito a menos que sejamos lembrados firme e consistentemente.
Uma das iniciativas mais perspicazes da religião tem sido a provisão de suvenires do transcendente, na oração matinal e no serviço semanal, no festival da colheita e no batismo, no Yom Kippur e no Domingo de Ramos. O mundo secular é desprovido de um ciclo equivalente de momentos durante os quais podemos ser instigados a imaginativamente sair da cidade terrena e recalibrar nossa vida de acordo com um conjunto de parâmetros mais amplo e cósmico.

Existe uma relação diabolicamente direta entre a importância de uma ideia e quão nervosos ficamos com a perspectiva de termos de pensar nela. Podemos ficar certos de que temos algo especialmente crucial com que lidar quando a própria noção de estar sozinho se torna intolerável. Por esse motivo, as religiões sempre foram enfáticas em recomendar a seus seguidores que observassem períodos de isolamento, por mais desconforto que eles a princípio possam provocar.

Precisamos de instituições para estimular e proteger aquelas emoções que estamos inclinados a cultivar, mas às quais, sem uma estrutura de apoio e um sistema de lembretes ativos, não dedicamos tempo porque somos distraídos e indisciplinados demais. 

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