domingo, 9 de fevereiro de 2014

Sobre o caráter sexual do Paraíso (Parte I)



Que é o prazer? Não havendo uma definição generalizada, busquemos aquilo que se sabe. Sentimos prazer na união sexual ou ao comer um fruto, ao sentir uma melodia harmoniosa, ao saborear uma paisagem ou as carícias do sol sobre o rosto, ou - nesses momentos de bem-estar indizível - quando há um "brilho instantâneo". Seja qual for seu grau ou origem, o prazer é algo passageiro, que se situa como uma exceção no tempo e é precedido ou seguido por enormes espaços de tempo.

Já foi repetido à exaustão: todo prazer é efêmero. Banalidade que não não é capaz de dizer o importante: seu caráter efêmero é o que lhe outorga sentido. Buscar prazer é buscar algo efêmero, que desaparece em um instante. Mas por acaso não existem instantes de fulgor que duram mais que várias horas de tédio? Por acaso não mostra o prazer que todo tempo é relativo? Pensemos no orgasmo: horas de sedução e esforço para conquistar algo que se consome em si mesmo, deixando-nos exaustos. Nada disso teria sentido se o caráter se o caráter efêmero do prazer não escondesse seu segredo, a saber: a realização de uma promessa. A promessa é a união que não se recorda do momento anterior à cisão. O prazer sexual é a fusão: "borra" as distâncias. Essa fusão não é confusão, logrando ao indizível: sentimo-nos, ao mesmo tempo, fundidos ao outro sem deixar de sermos nós mesmos, conservando nossa individualidade. Esse é um ponto: o orgasmo é um metáfora do êxtase místico, do estado, apenas perceptível, de fusão com a divindade. Dura um segundo e depois desaparece, nos devolvendo ao tempo da separação e da distância.

Se o prazer é efêmero e é precedido por um tempo e seguido por outro tempo, o infinito não é algo que se suceda, tendo anterioridade ou posteridade por nada. É o tempo sem instante, o tempo como um todo, que flui ininterrupto. A vida da criatura, ao lado do infinito de Allah, é quase tão efêmera como o prazer. À diferença do prazer, a vida da criatura está envolta por um infinito do qual não existe distância. Assim, o prazer é percebido como um efêmero dentro de outro efêmero que não se percebe como tal.

Infinito e prazer, humanidade e eternidade, são águas que se esvaem por causas diferentes. Ainda assim, é algo que se busca e se encontra como possibilidade na consciência. À união entre prazer e infinito de dá o nome de Paraíso. O lugar onde o prazer se faz ao infinito e onde o infinito encontra a vida: se faz saboroso, se humaniza. A eternidade humana é um mistério: de como não somos senão somente criaturas no tempo de nossa experiência limitada, sem que sejamos eternos com Allah. Isso quer dizer que já existíamos antes de nossa existência concreta, que estávamos inscritos em Allah como uma possibilidade de vida. Quer dizer que o tempo vital que nos foi designado não revoga nossa eternidade em Allah.

[extraído de Seyyed az-Zahirí, Sobre el carácter sexual del Paraíso, In.: Palabras para resucitar al-Andalus: textos essenciales del pensamiento islámico actual, p.78, disponível em http://www.vicentehaya.com/resources/TEXTOS-ESENCIALES-DEL-PENSAMENTO-ISLAMICO-ANDALUSI.pdf - tradução de Muhammad F.]

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